Quando acordei, não abri os olhos. As persianas estavam para baixo, o
que mantinha o quarto escuro. Continuava sem saber que horas eram. Algum tempo
depois, a porta do quarto abriu-se lentamente e eu não abri os olhos para
descobrir quem era. Percebi pelo aroma que se tratava de comida e o meu
estômago rapidamente deu sinal. Estava esfomeada.
Mantive-me imóvel até que saíssem do quarto e voltassem a fechar a
porta. Abri os olhos e em cima da minha secretária estava uma bandeja com uma
sopa, um copo de água, pão e um prato. Levantei-me silenciosamente e sentei-me
na cadeira. A minha mãe tinha-me feito o que parecia ser o almoço e eu não
perdi tempo a fazer cerimónias para comer. Não deixei nada no prato e até rapei
a taça da sopa o máximo que consegui. Comi o pão todo e desejei ter mais água
para beber, mas não era capaz de sair do quarto. Voltei para a cama e virei-me
contra a parede.
Não conseguia voltar a adormecer. Demasiados pensamentos
atormentavam-me. E ainda assim, não conseguia pensar nada em concreto. Tinha
Zayn constantemente a atormentar-me a cabeça, claro. Desejei dormir de novo e
tentei demasiadas vezes para o conseguir, mas estava demasiado desperta.
A porta do quarto acabou por voltar a abrir e eu mantive-me imóvel.
Um freixo de luz entrava pelo quarto, o que me fez semicerrar os olhos, mesmo
por baixo dos lençóis. Ouvi Sam à porta do quarto a perguntar à minha mãe se eu
estava a dormir. Ela respondeu que sim antes de sair outra vez, com a bandeja.
Pelo menos, a fingir estar adormecida funcionava. Revirei-me na cama algumas
vezes, perdida no tempo.
Sabia-me bem estar sozinha. Pelo menos por agora. Dava-me tempo para
pensar.
Tinham passado alguns dias provavelmente, não sabia bem.
Eventualmente eu acabei por dormir durante imenso tempo. Apenas acordava para
comer e durante a noite para ir à casa de banho. Duas vezes não aguentei e tive
de sair do quarto durante o dia para usar o banheiro. Olhei uma vez para o
espelho e eu estava uma completa desgraça. O meu cabelo estava oleoso e com uma
coloração feia, mais escuro que o normal. E começava a cair devido ao cancro. A
dor era insuportável, saber que a cada dia que passasse eu tornar-me-ia cada
vez mais horrorosa. Os meus olhos estavam baços e sem vida, a minha pele também
oleosa e pálida. As olheiras habituais tinham-se aprofundado e eu estava
irreconhecível.
Exato. A imagem de Isabela Ferreira tinha deixado de existir. Eu não
era ninguém.
Gritos no andar de baixo acordaram-me. Enterrei a cabeça na almofada
para voltar a adormecer, mas alguém voltou a gritar.
- Isto não pode continuar, eu quero vê-la!
- Dá-lhe mais uns dias, por favor.
- Já lhe dei uma semana, acho que é mais que suficiente.
A voz masculina gritava mais que a feminina.
- Tens que compreender! Ela não está bem, Zayn!
O meu coração disparou ao ouvir o nome dele.
O quê?! Ele estava aqui?! Não, não, não. Eu não o quero ver, manda-o
daqui para fora! Expulsa-o de casa!
- E eu?! – Ele falou. – Eu também não estou bem e quero vê-la! Ela
precisa de mim.
Ele continuava a gritar.
- Zayn pára! – disse a minha mãe.
Ouvi alguns passos a aproximarem-se e eu não estava nada preparada
para que a porta se abrisse. A luz do dia entrou no quarto e eu ceguei,
literalmente. Gritei com a dor nos olhos, puxando a almofada contra a minha
cara.
- Bella!
Zayn chamou por mim e eu continuei a gritar.
- Sai daqui! – Disse entre os gritos. – SAI DAQUI! – Gritei mais.
- Não!
Remexi-me na cama, puxando os lençóis para me esconder dele.
Debati-me tanto que bati com a cabeça na parede e a dor aguda fez-me ficar
zonza. Perdi as forças nos braços por breves instantes, o suficiente para que
ele pudesse aproximar-se de mim. Gritei de novo, tentando pontapear-lhe o corpo
para que se afastasse. Ele debateu-se também, tentando prender-me o corpo, mas
eu fugia sempre.
- Sai daqui, Zayn, sai daqui! – A minha voz saía que nem um guincho e
eu já conseguia sentir as lágrimas formarem-se nos meus olhos.
Ele não respondeu.
Continuei a gritar, tentando esconder a minha cara à medida que o
tentava afastar. Mas eu não tinha a força que ele tinha e ele conseguiu
prender-me nos seus braços. O meu corpo latejava tanto de dor como de cansaço e
eu chorei ruidosamente contra o seu peito. Gritei ao máximo, sabendo que a
minha mãe estava à porta. Bati em Zayn, bati até que as minhas forças se
esgotassem. Baixei os braços sobre o seu corpo quente que me sustinha no colo
dele. Continuei a gritar e a chorar compulsivamente.
Não conseguia parar de o fazer. Durante a tal semana que Zayn me
tinha dado, eu tinha dormido metade do dia e a outra metade a ouvir os sons do
andar debaixo e o vento lá fora contra a janela. Não sabia nada do que se
passava no mundo, não sabia nada do que tinha acontecido com os rapazes e
definitivamente que sabia ainda menos do pouco que eu sabia sobre o seu
trabalho de músicos. Não sabia como é que a minha mãe tinha aguentado uma
semana sem tentar falar comigo ou como Sam aguentou sem vir a choramingar para
a minha porta. Não sabia como é que Zayn tinha sido capaz de me deixar sozinha
naquela situação toda.
Chorei durante horas. Eu sabia que tinha passado muito tempo porque
as minhas pernas e as minhas costas já me doíam da posição em que eu estava. Os
sons que saíam da minha boca eram animalescos mas borrifei-me para o que ele
pensasse sobre isso. Seria bem pior ele ver a minha figura. Zayn estava tenso.
Remexeu-se na cama e eu aproveitei para tentar soltar-me dele. Os seus braços
voltaram a tornar-se hirtos.
- Schhhh, schhhh – ouvi-o.
Rosnei e gemi enquanto me remexia no seu colo.
- Vamos deitar na cama, Bells. – falou pela primeira vez. O seu
murmúrio bastou para que o meu coração me doesse ainda mais.
Solucei sobre as minhas lágrimas e tornei-me mole, deixando que me
deitasse na cama. Virou-me contra a parede e eu deixei-me estar quieta. Não ia
debater mais, era inútil. As suas botas bateram no chão quando se descalçou e
senti o peso do seu corpo sobre a cama. Encostou-se a mim e eu pude respirar o
seu perfume. O meu peito doeu de novo. As suas mãos procuraram as minhas, mas
eu mantive-as presas e escondidas dele. Acabou por desistir; porém, torturou-me
com leves carinhos que me fazia no braço. Tremi algumas vezes quando os seus
dedos roçavam-me a pele.
De novo, ao fim de algum tempo, as lágrimas secaram e eu já quase me deixava adormecer. Estava tão cansada. O meu braço esquerdo já estava com formigueiros e eu mudei de posição para o outro lado. Senti algo quente à minha frente mas a sensação era tão boa que me deixei estar. Aliás, encostei-me mais para a frente, repousando a cabeça num tecido suave que exalava calor. Percebi que era ele que ainda ali estava, mas não tinha forças para protestar mais. Tinha desistido de o fazer. As minhas pernas encontraram as dele e acabei por adormecer.