domingo, 28 de setembro de 2014

New Begginning - Capítulo 142


A foto nas cores sépia estava bem conservada, mais do que eu esperava, e conseguia ver nitidamente as feições de Elizabeth e de Hugh. A tia de Marie tinha sido linda naqueles tempos. Não que já não o fosse, mas as feições jovens eram de facto um espanto. Conseguia entender como Hugh se tinha apaixonado por ela.
- Eventualmente começámos a sair mais vezes. Ele levava-me ao cinema, ao teatro, à pista de patinagem, a todo o lado. Levava-me uma vez por mês ao centro de Londres, durante um dia. De manhã à noite passeávamos pelas ruas mais in do momento, como um casal apaixonado. Estávamos mesmo apaixonados.
O seu sorriso diminuiu um pouco.
- Foram os melhores três anos que eu alguma vez tive, antes de ter engravidado. – Suspirou. – Poupando os pormenores, quando Hugh soube da gravidez, assustou-se e mudou de cidade. Durante os primeiros meses escrevi cartas quase todas as semanas. Nenhuma com resposta. Ao fim de algum tempo elas começaram a voltar para trás e eu acabei por desistir.
Um nó formou-se na minha garganta ao ver a tristeza nos seus olhos.
- Os meus pais tinham decidido que eu daria o bebé para a adopção. E eu não tive escolha a não ser concordar. Como poderia eu cuidar de um bebé sem um pai e sem trabalho para conseguir sustentar todas as despesas?
Parou por um momento.
- Não foi fácil. A maior parte das minhas amigas deixou de falar comigo. Era frustrante, eu tinha dezanove anos e carregava um filho. Houve alturas em que me passava pela cabeça ideias completamente absurdas como por exemplo provocar um acidente que pudesse custar a vida do bebé.
Engoli em seco e Elizabeth olhou finalmente para mim.
- Nunca tive coragem de o fazer, porque no final de contas, era eu e ele contra o mundo. Acabei por me afeiçoar tanto ao meu filho que por volta dos seis ou sete meses comecei a duvidar se queria realmente abdicar dele. Quando as águas rebentaram e eu fui levada de imediato para o hospital St Thomas, o parto foi normal e sem nenhuma complicação, graças a Deus.
Elizabeth sorriu e eu também.
- E depois? – Perguntei finalmente.
- Depois a parteira meteu Jack nos meus braços. Foi como se todo o meu mundo estivesse ali mesmo, a olhar para mim com um futuro assutador pela frente. Mas isso não me asustou. Eu aprendi a amá-lo incondicionalmente e não o queria longe de mim por nada.
Sorri ternamente.
Elizabeth suspirou e levantou-se do sofá.
- Queres comer alguma coisa? Posso preparar qualquer coisa, precisas de te alimentar.
Ri baixinho, abanando a cabeça.
- Obrigada, mas não é preciso. O lanche já foi suficiente.
Trinquei o lábio.
- O que aconteceu ao Jack?
Elizabeth voltou a sentar-se ao meu lado e eu endireitei-me contra o sofá. Ergueu uma sobrancelha.
- Como assim?
Eu não sabia realmente como colocar aquilo em palavras, os meus olhos instintivamente a contemplarem a sua roupa. Elizabeth percebeu e o choque passou-lhe fugazmente pelos olhos, antes de rir.
- Credo, querida, ele está bem de saúde e rijo que nem um cavalo! Hoje foi o funeral do marido de uma vizinha minha.
Não evitei rir-me também da minha suposição idiota.
- Não sei que lhe diga, Elizabeth. Lamento que o Hugh a tenha abandonado.
Ela sorriu de novo.
- As coisas podiam ter sido muito piores.
Antes que eu conseguisse lhe perguntar o que aconteceu quando os seus pais souberam que ela ia ficar com Jack, a porta principal abriu e um homem bem parecido e alto entrou, abrindo a luz da sala. Era Jack e quando reparou em mim parou por dois segundos à porta.
- Desculpe mãe, não sabia que estava acompanhada.
A sua voz era rouca mas atenciosa quando dirigida para Elizabeth. Aproximou-se dela e cumprimentou-a com dois beijinhos na cara.
- Não tem problema, filho. Esta é a Bella, amiga de Marie.
Jack voltou-se para mim e sorriu. Eu sorri também, levantando-me e cumprimentando-o.
- Olá – cumprimentei timidamente. Ele puxou-me para um abraço inesperado e eu não evitei retribuí-lo.
- Eu não fazia conta que tivéssemos visitas, senão tinha trazido jantar para três. Posso sempre ir num instante ao restaurante e pedir outra dose – disse Jack, entreolhando-me e à sua mãe.
Olhei para a janela, notando que já estava escuro lá fora.
- Não é necessário – apressei-me a dizer – ahm, acho melhor pedir que Niall me venha buscar.
- Tudo bem, querida, eu vou ligar à minha sobrinha.
Um quarto de hora depois tocaram à campainha e eu entreguei o robe de Elizabeth a Jack, agradecendo a sua hospitalidade. Elizabeth acompanhou-me até à porta e eu entrelacei as mãos no bolso da sweatshirt. A primeira pessoa que eu vi foi Marie e a primeira pessoa que ela viu fui eu.
Os seus braços lançaram-se sobre mim, esmagando-me num abraço. Conseguia ouvir o seu suspiro de alívio.
- Eu estou bem – murmurei.
- Não voltes a fazer uma destas – disse ela em resposta.
Só eu consegui ouvi-la e não encarei como uma ameaça as suas palavras. Era mais como um suplico.
Afastou-se, mas não me largou. Niall estava atrás dela e olhou para mim, igualmente preocupado. Sorri para ele, para que pudesse perceber que eu estava bem e agradecida por me terem vindo buscar.
- Boa noite, Elizabeth – cumprimentou a tia de Marie. – Obrigada por ter tomado conta dela. Estávamos preocupadíssimos.
Elizabeth fez um estalido com a língua.
- Não foi nada de mais. Ainda bem que a encontrei – olhou para mim e sorriu.
Dei-lhe um abraço de despedida, dizendo “Adeus” a Jack.
Segui Niall até ao seu carro, com Marie no meu encalço. Nenhum deles me falou durante a viagem. Levaram-me até casa e antes de se irem embora, Marie levou-me até à porta e informou-me que ia avisar o doutor Peter que eu estava bem. Felizmente ninguém colocou a polícia à minha procura antes de Elizabeth avisá-los que eu estava com ela. Eu acenei afirmativamente a tudo o que Marie me dizia, mas honestamente, não prestei atenção a nada do que ela dizia.
Deu-me um beijo na testa e dirigiu-se ao carro depois de eu abrir a porta.
Tinha um nó na garganta desde que saíra de casa de Elizabeth e tornava-se difícil respirar. Qual seria a reação da minha mãe? Estava sem respostas, mais uma vez. Sentia-me aterrorizada por voltar a vê-la. Tinha medo que me batesse, mesmo eu sabendo que ela nunca seria capaz disso. Tinha medo que me pusesse fora de casa ou fosse capaz de cortar por completo o contacto com ela e com Sam.
Obriguei-me a fechar a porta depois de entrar. Ela esperava-me na sala e antes que pudesse abrir a porta de novo para fugir, ela voltou-se e olhou para mim. Ficámos, durante o que me pareceu vários minutos, a contemplar a figura de uma e da outra. A lareira estava acesa, aquecendo a sala. Conseguia ouvir a madeira a queimar sob as chamas e a minha respiração pesada. Custava-me olhar para a minha mãe, quando eu sabia que havia fortes chances de a ter desiludido.
Claro que a tinha desiludido. A sua filha com quase dezoito anos e grávida de um cantor famoso. O sonho de qualquer mãe.
Ela foi a primeira a desviar o olhar, voltando-o para o chão. Levantou-se sem pressas do sofá e veio na minha direção. Continuou de olhos caídos no chão e parou à minha frente. Olhou de novo para mim e eu parei de respirar.
- Tenta dormir e amanhã falamos.
Foi tudo o que disse. Subiu as escadas para o quarto e quando eu ouvi a porta fechar, as minhas pernas enfraqueceram e eu caí no chão. Comecei a tremer violentamente enquanto as lágrimas caíam-me no rosto pela centésima vez nesse dia. Sentia-me sozinha como nunca me tinha sentido e a sensação era horrível. Dilacerava-me por dentro, escavando ao máximo e destruindo-me lentamente. Deixei-me ficar no chão por algum tempo, sem coragem para me levantar.
Estava cansada e era capaz de adormecer ali mesmo. Não fechei os olhos, pensando de repente que Sam não me podia ver assim.
Levantei-me do chão e forçei-me a subir as escadas até ao quarto. Os meus pés estavam frios e sujos, mas não me importei e deitei-me na cama, cobrindo todo o meu corpo com os lençóis. Depressa o sono abateu-se sobre mim e eu não tive pesadelos.

New Begginning - Capítulo 141


- No hospital conheci a médica Julia. Ao início pensei que ela fosse uma enfermeira, mas disse-me que trabalhava na obstetrícia e eu, sinceramente, não sabia com o que se relacionava – Elizabeth ia falar, mas eu continuei a despejar palavras – Foi então que começaram a fazer-me perguntas sobre a minha menstruação e sobre enjoos. Eu, mesmo assim, não percebi do que estavam a falar e muitas vezes, durante minutos, o ambiente no quarto tinha ficado estranho. Depois Sierra veio e deu-me um chupa de laranja.
- Ela sempre cuida de mim quando eu estou no hospital. Claro que estranhei quando hoje a médica respondeu quando carreguei no botão de chamada, mas não disse nada porque nunca pensei que pudesse ser algo fora do normal. E quando o Dr. Peter disse que eu estava grávida, eu juro por tudo que desejei que isto fosse tudo um sonho e eu acordasse no segundo a seguir. Mas os segundos tornaram-se minutos e eu não estava num sonho ou num pesadelo. Estava bem acordada.
O meu rosto aqueceu-se com as lágrimas que me escorriam pelas bochechas. Elizabeth remexeu-se na cadeira e olhou pensativa para a mesa. Depois levantou-se e vestiu o casaco. Chamou o empregado com uma mão e ele preparou a conta.
- Vem comigo. Tenho uma coisa para te mostrar.
Depois de pagar a conta e dar os bons dias ao mesmo empregado que nos atendeu, Elizabeth encaminhou-me pela rua acima.
- Posso avisar Marie que estás comigo? Tenho a certeza que estão todos preocupados.
Assenti com um aceno de cabeça. As lágrimas tinham secado devido ao vento frio que se fazia sentir. Ainda não sabia que horas eram. Ouvi-a falar ao telefone e tentar acalmar Marie. Sorri timidamente, percebendo a aflição da minha amiga.
- Dá-lhe tempo, sobrinha. Ela está bem. Avisa a sua família. – Esperou, ouvindo a resposta de Marie – Ele que se acalme. Garanto que depois ligo para ele a vir buscar.
Percebi que se tratava de Zayn. Chamei a atenção de Elizabeth, indicando com aflição para que não fosse Zayn a vir buscar-me. Ela fez um trejeito.
- Marie, se calhar é melhor vir o Niall. – Elizabeth olhava para mim e eu trinquei a língua. – Sim. Eu depois digo qualquer coisa. Até logo, querida.
Pouco tempo depois chegámos à entrada de uma casa pequena e semelhante à minha. A sua estrutura era rochosa, tal como a minha. O jardim tinha um ar bem cuidado e colorido. Segui Elizabeth para dentro da propriedade e cedeu-me a passagem para dentro de casa.
Estava quente e eu guiei os meus olhos pela sala bem decorada. A mobília era toda em madeira e alguns armários tinham porta de vidros. Um armário junto à lareira era preenchido por vários livros e enciclopédias sobre o Mundo. Noutra cómoda estavam expostas várias fotografias de família e eu reconheci Elizabeth e Marie em algumas delas. Ambas com um sorriso na cara em todas as captações. Identifiquei um rapaz mais velho que Marie e, possivelmente, da idade da minha mãe. As suas feições eram muito parecidas à de Elizabeth.
- É o seu irmão? – Perguntei, mal me apercebendo da má educação que tinha sido da minha parte bisbilhotar.
- Não, querida. É o meu filho.
- Parece muito velho para ser seu filho. – Quando percebi o que tinha dito, arregalei os olhos. – Lamento se a ofendi.
Ela riu, totalmente despreocupada. Colocou o casaco no sofá e ofereceu-se para lavar a minha sweatshirt. Desapareceu da sala e pouco depois apareceu com um robe castanho.
- Veste isto para não resfriares – mandou.
Vesti de bom grado o robe que era bastante confortável. Senti-me cansada, de repente.
Elizabeth ligou a televisão mas manteve o som baixo. Sentou-se ao meu lado depois de pegar numa moldura com a fotografia dela e do seu filho.
- O seu nome é Jack. – Disse ela. Peguei na moldura para observar melhor.
Ambos estavam em pé e tinham sido apanhados desprevenidos. Ela olhava para o seu filho com um sorriso radiante e orgulhoso. Jack ostentava outro sorriso enorme e eu quase conseguia ouvir as suas gargalhadas quando foi apanhado na fotografia. O plano de fundo definitivamente que era o jardim principal de sua casa.
- Na altura foi o único nome que me ocorreu. Parece ser demasiado vulgar, mas não penso assim. Acho que nenhuma mãe pensa assim.
Deu uma gargalhada que rapidamente se transformou num suspiro. Olhei para ela com cautela. Observava a moldura que eu ainda segurava, um sorriso triste plantado no seu rosto. Tive a pequena impressão que o final da história que estava prestes a contar-me não tinha um final feliz.
- Que idade tinha a Elizabeth quando deu à luz?
Mudou de posição no sofá e o seu corpo descontraiu-se. Olhou para mim por dois segundos e depois focou o olhar noutro ponto algures da sala. Sorriu levemente ao recordar essa memória.
- Era pouco mais velha que tu. Tinha dezanove anos.
A sua voz estava serena e se assim não o fosse eu podia dizer que ela lamentava ter tido o filho. Aproximei-me mais dela, querendo ouvir o resto da história.
- Aquela altura era muito diferente dos dias de hoje. Quer dizer, onde nós estamos houve muito poucas mudanças em relação ao plano geográfico. Mas as pessoas eram diferentes. As coisas eram mais calmas e havia respeito mútuo nos bairros. As raparigas vestiam-se com muito cuidado para impressionar os rapazes.
Riu entre as palavras, como se aquilo lhe tivesse lembrado algo.
- Eu usava imensos vestidos de variadas cores. O meu armário era como um arco-íris.
E ainda assim, Elizabeth estava vestida com cores neutras e escuras. Diversos tons de preto. Arqueei uma sobrancelha.
- Conheci Hugh com dezasseis anos. Um dia fui passear ao mercado e havia novos comerciantes. Hugh era filho de um deles. Era mais velho dois anos, o que atraía a atenção da maior parte das raparigas. Incluindo das minhas amigas.
Ela olhou para mim e pigarreou.
- Mas não a mim. Não achava graça nenhuma ao rapaz. Era bem parecido, muito bonito, realmente. Mas não me despertou interesse nenhum.
- A senhora é que despertou o interesse dele em si – afirmei.
Ela concordou, sorrindo.
- Durante semanas andou atrás de mim a insistir para que me levasse ao cinema. E eu recusava sempre. Por fim eu fartei-me de o ter sempre à perna e aceitei o convite. Devias de ter visto a felicidade dele.
Elizabeth sorriu ainda mais com a memória. Levantou-se do sofá e vasculhou dentro da mobília das fotografias, entre os álbuns antigos que guardava. Consegui vislumbrar algumas fotografias bastante antigas, mas apenas pela cor e pelo desgaste do papel.
- Ah! Aqui está – disse ela, voltando para junto de mim e passando-me uma pequena foto.
Era ela e Hugh.

sábado, 27 de setembro de 2014

New Begginning - Capítulo 140


Ele levantou-se num pulo e caminhou na minha direção. Recuei. Recusava-me a encará-lo com vergonha de mim mesma.
- Bells – disse ele, num sibilo preso.
As lágrimas brotaram-me de novo no rosto e a minha visão ficou turva. No entanto, eu estava perfeitamente consciente e não me parecia que fosse desmaiar de novo. Devia ser a adrenalina. Eu queria sair dali.
Virei-lhe as costas e procurei pelo primeiro sinal de saída que encontrasse. Corri pelo corredor fora, ouvindo-o gritar e depois Liam também a chamar-me. Ignorei-os. Virei na direção oposta à do meu quarto e avistei uma porta que dava acesso às escadas.
Sentia-me medrosa, com demasiado medo de Peter e de Julia. Com medo de como a minha mãe fosse reagir, com medo da rejeição por parte da família de Zayn e, pior, da rejeição dele. Desci as escadas à máxima velocidade possível, temendo ouvir a voz dele.
- Bells! – Gritou ele e eu gemi.
Ele era mais rápido que eu, sem dúvida, então abri outra porta, noutro piso, e descobri-me nas Urgências do Hospital. Contornei várias pessoas e desapareci da vista da porta por onde saí. Tentei andar com normalidade, mas isso não desviava o olhar dos outros. Eu estava com a bata de doente e a sweat coberta de sangue seco, ainda. Não tinha outra solução de vestuário, então não pensei mais no assunto.
Quando descobri a saída do Hospital, senti o ar fresco contra o meu rosto e semicerrei os olhos. Senti o vento contornar-me as pernas despidas à medida que caminhava na direção da saída do parque de estacionamento. Sempre que vinha com algum dos rapazes para o Hospital, não prestava grande atenção ao caminho que fazíamos, mas fui capaz de saber como sair da propriedade. Caminhei durante algum tempo, sentindo os meus pés doridos.
Não sabia que horas eram, sentia-me com frio e precisava de comer. Durante mais alguns minutos consegui perceber onde estava. Reconhecia aquela zona, era onde Marie vivia. Mas eu não queria vê-la, não queria ver ninguém que soubesse. Continuei a contornar as ruas e acabei a olhar, parada, para a montra de um café. Diversos bolos estavam expostos e cada um mais apetecível que o outro. Cresceu água na minha boca e eu tive que engolir em seco duas vezes.
- Bella? – Ouvi uma voz dizer o meu nome.
Com o susto dei um salto, virando-me para a direção de onde vinha. Uma mulher baixinha e com o cabelo muito bem arranjado e saudável olhava-me espectante.
- Sim? – Respondi, com a voz arranhada. Aclarei a garganta. – Conheço-a?
Ela continuou a olhar para mim durante uns longos momentos. Piscou os olhos duas vezes.
- Elizabeth Joyce. A tia de Marie.
Foi aí que me lembrei. Como me podia esquecer? A mulher bem-disposta que me arranjara o cabelo para o baile de máscaras que determinou o que eu sentia por Zayn. No entanto, ela parecia-me apagada. A sua aura alegre tinha desaparecido e por isso é que não a tinha reconhecido.
- Peço desculpa, não estava a reconhecê-la. Como está?
Ela aproximou-se de mim e eu também dei alguns passos na sua direção. Percebi que estava a tremer de frio e agarrei-me ao meu próprio corpo em busca de algum calor.
- Estás a gelar de frio! – Exclamou. – Oh, querida, o que aconteceu? Anda comigo, eu pago-te um chocolate quente.
Eu teria reclamado se estivesse noutra situação, mas não tinha dinheiro e estava fraca. Precisava comer qualquer coisa e algo quente iria com certeza acabar com a sensação de fadiga que eu tinha. Entrámos no café onde eu tinha babado para cima do vidro e o meu corpo tremeu violentamente. Senti o calor envolver-me a pele aos poucos, dando-me vários arrepios que me souberam bem. Sentámo-nos à frente de uma mesa pequena e discreta. Ela retirou o casaco e de tempos a tempos lançava-me olhares. Eu mantive a sweat.
- O que é isso na tua camisola? – Inquiriu, enrugando a testa.
Hesitei.
- É... sangue seco.
O choque na cara dela foi óbvio. Expliquei rapidamente o porquê, sem referir que logo a seguir desmaiei e passei o resto do dia no hospital, até agora.
Um empregado jovem apareceu e deu-nos os bons dias. Elizabeth fez o pedido por mim quando percebeu que eu não queria falar. Pediu um chá de jasmim para ela e um chocolate quente para mim. Pediu também especificamente uns bolos que eu tinha galado na montra, lá fora. Não me dirigiu a palavra durante algum tempo e eu não cheguei à conclusão se seria por não saber exatamente o que dizer, ou, para me deixar à vontade.
- Obrigada pelo chocolate quente.
Falei apressadamente, sabendo que era meu dever agradecer o gesto. Ela sorriu para mim e antes que pudesse dizer algo, o empregado aproximou-se da mesa com o chá de Elizabeth e os bolinhos num tabuleiro. Tinham um aspeto delicioso. Desculpou-se pelo chocolate, justificando que o trazia já de imediato.
- Como tens estado, querida? A Marie tem falado de ti.
Elizabeth colocou o prato dos bolinhos à minha frente, num gesto a incentivar-me a comer. A minha garganta ficou seca quando percebi que ela sabia do cancro.
- Tenho estado melhor. A cirurgia correu bem e a recuperação foi boa – expliquei, pegando num bolinho e metendo-o na boca.
- Marie também me disse isso – mostrou um sorriso.
O empregado voltou novamente, entregando-me o chocolate com um sorriso curto. Perguntei a Elizabeth como estava ela, uma tentativa de mudar o rumo da conversa. Contou-me que estava a tentar abrir um salão de cabeleireiros, mas que o banco dificultava essa decisão. Tinha pedido um empréstimo, mas recusaram duas vezes.
- À terceira terá que ser de vez – comentou com uma gargalhada.
Eu percebi que não tinha grandes esperanças nisso, mas tudo o que fiz foi sorrir em motivação.
A sua testa enrugou-se como se pensasse noutra coisa.
- Bella, de certeza que está tudo bem? Pareces muito cansada.
Beberiquei o meu chocolate, percebendo que já se encontrava a meio. Tirei outro bolinho do prato, comendo-o antes de voltar a falar. Não sabia bem exatamente o que lhe devia dizer. Nada indicava que ela me pudesse fazer mal e eu duvidava seriamente se isso fazia parte dos seus planos.
- Estava no hospital porque desmaiei – comecei por dizer. Clareei a garganta. – quando sangrei do nariz, em Londres.
As suas narinas dilataram-se visivelmente e percorreu o meu corpo com os olhos alarmados. Eu mantive-me calma e suspirei.
- Apenas estou cansada. As notícias que me deram não faziam parte dos meus planos.
- Mas está tudo bem? O cancro alastrou-se? – Perguntou, claramente preocupada.
Eu sorri perante a preocupação.
- Que eu saiba, está tudo controlado com o cancro. – Baixei a minha voz. – Antes fosse em relação ao tumor.
Ela arqueou uma sobrancelha e mexeu o chá enquanto lhe juntava leite. O meu lábio tremeu, observando-a. Sentia-me em choque com a notícia que recebera há não sei quanto tempo mas de alguma maneira consegui manter-me calma. Eu realmente preferia lidar apenas com a doença, mesmo que isso significasse esta agravar-se. Precisei de meses antes que pudesse lidar com toda esta situação e, agora, por causa de uma atitude estúpida e irresponsável, podia ter deitado tudo a perder.
O pior de tudo é realmente saber que eu suspeitava que isto pudesse acontecer.
- Precisas de alguém com quem falar, Bella – falou Elizabeth, puxando-me dos meus pensamentos. – E imagino que não o quisesses fazer com nenhum dos teus amigos ou com a tua mãe.
A sua voz era gentil. Bebi mais um pouco de chocolate, acabando-o em segundos. Respirei fundo e deixei-me abater pela realidade.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

New Begginning - Capítulo 139


Peter e a Dra. Julia saíram do quarto sem mais uma palavra.
Voltei aos meus pensamentos de Nuno.
Ele era baterista, mas apenas como hobbie. Onde ele trabalhava mesmo era nas construções. Tinha desistido da escola pouco tempo depois de começarmos a namorar e até já falava em vivermos juntos. Era uma loucura.
Lembro-me perfeitamente da sua figura. Do seu rosto, do seu corpo...
A cor do seu cabelo era clara, quase como um loiro de um típico surfista. Os seus lábios eram finos e os seus olhos grandes, cinzentos. Eu tinha sido enfeitiçada por aqueles olhos, logo no primeiro momento em que o conheci. E claro que tinha sido atraída pelo seu porte físico. Eu era bastante tímida quando se tratava dele. Eu conseguia ser desinibida para todos os rapazes que me apareciam à frente nas discotecas de Lisboa ou nos bares das praias, e conseguia fazer cada rapariga invejar-me. Conquanto, Nuno tinha-me na palma da mão. E ele sabia disso, obviamente. Depois de ter terminado a relação com ele é que eu juntara várias peças do puzzle que era o nosso relacionamento.
Um dia, em casa dele e depois de termos tomado um banho juntos, fiz-lhe o almoço. Um bitoque completo. Estávamos juntos na sua cozinha e eu apenas tinha vestido umas cuecas lavadas e colocado um soutien, sentindo-me sempre constrangida com o facto de os meus seios não serem perfeitos e normais como os outros. Ele estava apenas de boxers, o que sempre me punha numa ansiedade louca. Tentava concentrar-me em não queimar o arroz, quando ele se colocou atrás de mim, subindo as mãos pelo meu ventre e criando-me arrepios na pele.
- Cheira muito bem – murmurou ele ao meu ouvido. Eu sorri.
- Ainda é só o bife que está pronto, tonto – justifiquei. – Falta o arroz e os ovos. Ou preferes sem ovos?
Eu tentava claramente manter-me ciente e consciente que tinha o arroz ao lume e que não o podia deixar pegar-se ao tacho. Mas Nuno dificultava-me a vida ao trincar-me a orelha sucessivamente. Conseguia notar um sorriso no seu rosto e o poder dele sobre mim a toldar-me o espírito.
- Não vais querer arroz queimado – murmurei.
Ele nada disse. Continuou com a sua brincadeira de me distrair do almoço, acariciando-me com a ponta do seu nariz na concavidade do meu pescoço. Um frenesim fez-se sentir no meu interior. As suas mãos deteram-se em ambos os meus braços e senti-o a virar-me de frente para ele. Uma madeixa de cabelo estava à frente dos meus olhos e ele levantou a mão para a prender atrás da minha orelha. Olhei-o nos olhos e vi que estavam diferentes, naquele dia. E a minha respiração tinha parado, eu bem me lembrava. Nos seus olhos eu não via o Nuno possessivo e controlador de todos os dias. A sua cor acinzentada tinha suavizado e eu conseguia ver tons azulados na sua íris. A minha garganta estava seca e eu atrevera-me a levar a mão ao seu peito.
- Era capaz de viver assim para sempre – murmurou e o meu coração doeu.
Tinha sido capaz de lhe dizer que o amava, que o queria sempre, que precisava dele assim, calmo e a demonstrar tudo o que aquele olhar continha. Mas involuntariamente levei a minha mão ao seu rosto e acariciei-o ao de leve. Esse gesto tinha sido o fim de tudo em que eu mantinha esperanças. O seu olhar tornou-se mais escuro e o azul frágil tinha desaparecido no meio daquele cinzento escuro dos seus olhos. Tinha voltado ao Nuno perverso que eu conhecia tão bem.
Provavelmente, fora a partir daí que eu decidira ganhar um pouco de coragem todos os dias e ir recusando algumas ordens que ele me dava. Como por exemplo faltar às aulas. Ou escapar durante a noite para junto dele. Deixei de atender a alguns telefonemas, desculpando-me a dizer que o meu pai estava junto de mim, quando na verdade eu simplesmente queria era ler um livro.
Abanei a cabeça, sentindo as lágrimas finalmente caírem pesadas no meu colo.
Não conseguia sequer admitir a mim própria o que estava a acontecer, no aqui e no agora, e a única coisa em que pensava era recordar o único namorado que eu tive em toda a minha vida? O namorado possessivo e controlador. Quando eu tinha claramente uma das melhores pessoas comigo. O segundo homem mais importante da minha vida a apoiar-me na fase mais difícil da minha vida. E tudo em que eu pensava era numa relação problemática que já nem existia.
Apetecia-me gritar.
Apetecia-me sair dali.
Hesitei uns momentos antes de respirar fundo e arrancar a agulha da minha mão, sentindo a dor aguda naquela zona. Gemi com a dor, mas soltei-me de todas as coisas que me mantinham presa àquela cama.
Caminhei, cambaleante, até ao armário para tirar a minha sweat. Ainda tinha vestígios de sangue seco, mas não liguei para o assunto. Puxei o capus para a frente depois de a ter vestido e enfiei uns chinelos do hospital nos pés.
Saí do quarto para o corredor. Uma enfermeira tinha acabado de entrar num quarto e eu suspirei de alívio. Vi uma secretária com outra enfermeira, mas estava demasiado concentrada a fazer o quer que fosse para ter de vigiar o corredor. Eu estava familiarizada com o sítio. Alguns minutos depois fui capaz de me esgueirar a qualquer entidade do hospital e consegui chegar à sala de espera da respetiva ala onde eu estava instalada.
Vi Louis em pé, a olhar para o vazio. Estava mais pálido do que o meu irmão alguma vez fora. Vi Zayn, com a cabeça entre os joelhos, e Liam ao seu lado.
Ele já sabe. Eles já sabem.
Um nó formou-se na minha garganta. Senti a bílis a subir-me À garganta e apeteceu-me vomitar de novo. Porém, eu não tinha nada no estômago e a vontade engasgou-me. Fiquei a observar os movimentos dos três, escondida atrás das portas que nos separavam. Era demasiado doloroso. Eu sabia que ele nunca iria aceitar. Podia arruiná-lo. Podia arruiná-los. E eu não queria isso. Não podia permitir que eles perdessem toda a carreira deles por minha causa.
Queria ver o seu rosto, mas Zayn continuava de cabeça rebaixada.
- Por favor, Zany, por favor levanta a cabeça – murmurei em agonia.
As suas mãos tremiam-lhe a agarrar no cabelo, um sinal óbvio de stress. Ele suava da testa e limpava-a vagamente de tempos a tempos. Liam encostou o seu rosto ao ombro de Zayn e sussurrou algo que eu não pude perceber. Zayn remexeu-se no seu lugar e a sua voz elevou-se. “Eu não sei!”, disse ele. O meu lábio tremeu.
Depois de afagar uma vez mais o seu cabelo, ergueu o rosto e o seu olhar estava baço. Ele estava desfeito.
Virou o olhar na minha direção e reconheceu-me. Dois segundos pareceram uma eternidade. Os olhares que trocámos em silêncio estavam cheios de palavras presas na nossa garganta. Senti-me fraca. Eu ia perdê-lo, eu sabia disso. Estava tudo acabado.

New Begginning - Capítulo 138


Encostei a cabeça às almofadas, olhando para todo o quarto menos para os médicos. Era deveras desconcertante toda esta situação.
Sierra voltou, mais depressa do que o que eu esperava, e entregou-me o chupa com um sorriso no rosto. Deu-me um beijo rápido na testa e saiu do quarto sem dizer nada.
- Há quanto tempo não estás menstruada? – Perguntou Julia, subitamente.
Eu desembrulhei o chupa com calma, enquanto pensava. A minha testa enrugou-se e eu tentei fazer os cálculos de cabeça. Não me recordava.
- Não me lembro. Mas foi há pouco tempo, sei disso.
Peter pousou a minha ficha na mesa junto à porta e levou as mãos aos bolsos da bata branca. Encostou-se à parede e olhou para o chão, pensativo.
- Continuo sem entender o que se está a passar – confessei.
Rodei o chupa na minha boca algumas vezes, sentindo o sabor agradável a laranja. Mudei as almofadas de posição e sentei-me.
- Estás grávida – a voz do Dr. Peter ecoou no quarto.
 O chupa caiu-me das mãos. Pousou no lençol e eu senti o leve impacto. Estava coberto de saliva minha e eu observei esta a ser engolida pelo tecido do lençol branco. Uma mancha laranja começava agora a desenvolver-se. Lentamente, a cor foi ficando mais escura.
Até eu perceber que era eu que estava a semicerrar os olhos.
Soltei o ar que mantive preso nos pulmões, o meu corpo cada vez mais pesado à medida que eu ia tentando regular a respiração.
- Posso ter o meu balde de volta?
De alguma forma eles conseguiram ouvir-me e Julia baixou-se e tirou outro balde de debaixo da cama.
Vomitei de novo, desta vez voluntariamente. O simples pensamento de me sentir enjoada impulsionou-me a despejar fora tudo o que tinha no estômago. Deram-me outro lenço de papel, que eu recusei. Limpei a boca à mão enquanto observava o meu próprio vómito. Afastei o balde da minha cara e não fui capaz de levantar o olhar.
Só me ocorria a vergonha que era saberem que eu e Zayn tínhamos uma relação sexual ativa. Se não o sabiam, pelo menos sabiam que tínhamos feito uma vez e que o preservativo tinha rebentado. Era deveras humilhante. Não que me envergonhasse de ser com Zayn; era uma honra, honestamente. Eu amava-o e, do meu ponto de vista, era compreensível que um casal partilhasse a sua intimidade. Eu sabia que o Dr. Peter e a Dra. Julia estavam habituados a lidar com rapazes e raparigas da minha idade a passarem pela experiência maravilhosa, e até mesmo, a lidarem com a frustração de ter sempre dúvidas em relação ao assunto.
Mas quem era eu, que não sabia nada acerca disso?
Depois caí em realidade. As minhas mãos ficaram húmidas e eu senti uma comichão horrível nas minhas costas. Afastei o lençol com o chupa e deixei as minhas pernas expostas ao ar. Olhei para elas durante um longo período de tempo, quieta. Os meus olhos viajaram até ao meu ventre onde eu imaginei penosamente uma barriga grande. Pisquei os olhos duas vezes.
Aquela imagem desapareceu da minha mente, mas o terror continuou presente.
- Não – murmurei.
Vários pensamentos atropelaram-se. Enquanto tentava desesperadamente lidar com as palavras do Dr. Peter, passou-me uma imagem da minha mãe com Sam nos seus braços; uma imagem de Louis a olhar para mim com um sorriso radioso; a tia de Marie, Elizabeth, a arranjar-me o cabelo para o baile de máscaras; o meu pai de mãos dadas comigo a passear por Lisboa; Zayn deitado na minha cama, com os seus braços entrelançados no meu corpo e as suas pernas cruzadas com as minhas, nu; e Nuno, no dia em que me pedira em namoro.
Eu não sei porque tinha eu pensado em Nuno. Lembro-me da nossa relação problemática e do Pai o odiar. Apesar da nossa relação ter sido (bastante) atribulada e problemática, era incrível. Não no sentido bom da palavra. Durante ínfimas vezes estivéramos à beira de terminar tudo, mas quando o ambiente entre nós ficava intenso – após uma discussão – era inevitável a reconciliação. Nuno era a única pessoa que sabia das minhas cicatrizes, dos meus problemas com o meu pai e dos meus segredos. Eu era dele, mas ele não era meu. Eu pertencia-lhe; ele mandava em mim, eu fazia tudo o que ele mandava.
A nossa relação não era normal e eu sentia-me frustrada por só o ter admitido dois anos depois do nosso primeiro ano juntos. Tinha lidado bem com a situação, nisso eu tinha de estar orgulhosa. Acho que sempre fui muito forte de espírito e por isso não quebrava com facilidade. Quer dizer, eu sofria maus tratos do meu próprio pai. Eu era forte.
Quando Nuno e eu fazíamos relações sexuais, não usávamos o preservativo. Ele cuidava todos os dias de eu tomar a pílula. Muitas vezes ocorrera-me fingir que tomava o comprimido e depois deitava-o fora. Mas antes de poder deitá-lo no lavatório, lembrava-me que engravidaria na certa e isso assustava-me. Assustava-me demasiado porque era inevitável que eu seria abandonada por Nuno e ainda mais castigada pelo meu pai. Além disso, Samuel precisava de mim e eu não podia ter um filho. Eu nunca quis ter um filho.
Porém, mesmo eu sabendo que Nuno me abandonava no mesmo instante em que soubesse que não tinha tomado a pílula e estava possivelmente grávida, insistia em iludir-me. Em pensar que ele me amava.
- Bella? – Uma voz chamou-me.
Pisquei os olhos consecutivamente e a Dra. Julia estava à minha frente com uma expressão preocupada no seu olhar.
- Bella, estás bem? – Voltou a falar.
Eu mantive-me em silêncio por uns momentos. Exigi depois para me deixarem sozinha e não queria saber se alguém me quisesse ver. Nem a minha mãe, nem Zayn, ninguém. Não queria ver ninguém. Quase gritei para que me deixassem em paz. Ameacei até que se me drogassem com morfina que punha um processo em cima do hospital. Eu precisava de estar consciente e pensar. Eu precisava pensar.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

New Begginning - Capítulo 137


Tinha passado meia hora. As três da tarde aproximavam-se e Julia ainda não tinha regressado. Ela disse dois minutos.
Claro que com o meu timing perfeito de combinar os meus pensamentos com o tempo, Julia entrou no quarto seguida pelo Dr. Peter que me sorriu mal trocámos olhares.
- Boa tarde, Bella – cumprimentou e eu fiz-lhe um aceno. – Como estás? Gostaste do almoço?
- Olá, Dr. Peter. Sim, estava muito bom. O que tem para me dar?
Ele riu durante dois segundos perante a minha pergunta. Já estava tão habituada às visitas ao hospital que me esquecia sempre da cordialidade médico-paciente. Havia alturas que até perguntava pela sua mulher e mandava-lhe cumprimentos. Ela fazia o mesmo e, apesar de nunca a ter conhecido, sempre tinha mandado flores durante os primeiros meses de experimentação da radioterapia.
- Os teus níveis do sangue estão normais, à exceção da falta de ferro. Vou mandar a tua mãe e o teu irmão obrigarem-te a comer uma banana de dois em dois dias e mais alguns frutos secos. Vais também passar a comer mais peixe.
Suspirei, olhando para Julia. Ela piscou-me o olho e eu soube que podia ter comido as pernas de frango – já que existia um restaurante da cadeia a pouco mais de quinze minutos daqui.
- De resto está tudo bem. O desmaio foi devido ao stress de toda a confusão a que estavam expostos.
Olhei para o Dr. Peter durante uns momentos enquanto refletia. Troquei de olhares com a enfermeira Julia e de alguma forma eu soube que algo se passava.
- Não me está a contar tudo. – murmurei.
O quarto ficou em silêncio e eu, definitivamente e com todas as minhas certezas, sabia que algo se passava. Afastei o tabuleiro de mim e endireitei-me na cama.
- Dr. Peter pode dizer-me o que realmente se passa. – Insisti. Olhei para Julia. – Enfermeira?
Ela suspirou piscando os olhos castanhos, brilhantes.
- Eu não sou enfermeira, Bella.
Arqueei uma sobrancelha, confusa. Talvez fosse uma estagiária que estava posta em avaliação e os seus cuidados perante uma doente de cancro determinavam a sua nota final do semestre. Mas Julia parecia-me já estar nos seus trinta e poucos anos.
Ainda assim, perguntei.
- Está a ser avaliada? Tipo estudante?
Ela sorriu timidamente, lisonjeada.
- Não, miss, acabei a universidade há alguns anos. A minha área é Obstetrícia.
Fiquei ainda mais confusa. E enjoada.
O meu estômago revoltou-se durante uns momentos e eu já conhecia a sensação. Tapei a boca para evitar que um espetáculo acontecesse à frente dos doutores. Julia rapidamente me deu um balde e eu vomitei. A sensação da agulha no meu pulso intensificou-se quando apoei ambas as mãos no balde. Incitei mais o meu rosto para baixo e o cheiro não me incomodou.
Respirei fundo ao erguer a cabeça.
O Dr. Peter observava-me e, em silêncio, passou-me um lenço de papel. Agradeci num murmúrio e fiquei calada por uns momentos. Algo se passava. Eu sabia que algo se passava. Eu sentia.
- Diga-me o que se passa, doutor – sussurrei.
Puxei o cabelo para trás da minha orelha e engoli em seco.
Julia sentou-se à beira da minha cama e eu ponderei sobre a sua profissão durante uns momentos. Fiquei constrangida por não me lembrar do que se tratava a Obstetrícia. Claramente era algo importante, senão eu não teria sido tratada por ela durante aquela hora. Quem cuidava dos pacientes eram sempre os enfermeiros. Confesso que estranhei quando não tinha sido Sierra – a enfermeira que tratava sempre de mim – a entrar pelo quarto dentro.
Abanei a cabeça.
- Doutor, é algo grave? – Engoli em seco. – O cancro alastrou-se?
Fiz figas.
- Não, Bella. O cancro está controlado, por enquanto.
- Então o que se passa?
Eles entreolharam-se de novo, pela milésima vez e Peter falou.
- Fizemos todos os exames necessários para saber a situação em que a tua saúde se encontra. Pensei em fazer uma TAC também, mas como não havia indícios de convulsões achámos que seria desnecessário.
Um sentimento de desinteresse perante a minha pessoa passou-me fugazmente pela mente.
- Tens tido enjoos? – Perguntou Julia.
- De vez em quando. Estou muito sensível aos cheiros.
- E nunca te interessaste por saber do que se tratava? – A sua voz era gentil.
Encolhi os ombros.
No último mês realmente eu tinha tido meia dúzia de enjoos, mas nada grave, nada de especial. Apenas me surgia quando havia cheiros intensos e fortes na casa. Além disso, devia ser compreensível, já que eu andava a comer pouco.
- Tens tido problemas em urinar? – Perguntou Dr. Peter.
A pergunta apanhou-me desprevenida e eu corei.
- Não que eu saiba – gaguejei. – Tenho ido com alguma frequência, mas isso é bom. Certo?
Julia mexeu-se, totalmente desconfortável no lugar onde estava. Os seus olhos voltaram a pousar-se em mim, após fugazmente deitar olhos ao tabuleiro desprovido de comida. Carregou no botão de chamada e em alguns segundos vi Sierra entrar pelo quarto.
- Olá, Bella – cumprimentou-me.
O meu rosto iluminou-se quando vi a sua disposição. Sierra era morena e tinha sempre o cabelo apanhado. A sua aparência era claramente latina, heranças da sua família paterna.
- Porque não vieste logo quando toquei no botão? – Perguntei, mostrando a frustração na minha voz.
- A médica queria verificar pessoalmente como tu estavas – esclareceu-me. – Precisas de alguma coisa antes de eu me ir embora?
Adorava Sierra. Sempre que cuidava de mim fazia todos os possíveis por ignorar qualquer entidade médica que estivesse presente. Era como se não lhe interessasse a sua presença. Mas quando Dr. Peter a chamava, mesmo que estivesse a um metro de distância dela e estivesse a ser ignorado o tempo todo, Sierra mudava de atitude e mostrava toda a sua disponibilidade perante o superior.
- Podias trazer-me um daqueles chupas que tens!
Ela riu.
- Já volto, então.
Sierra saiu do quarto depois de um aceno de cabeça a ambos os médicos e o silêncio voltou a instalar-se. A situação estava ainda mais desconfortável de aquando me anunciaram que tinha um tumor.

domingo, 7 de setembro de 2014

New Begginning - Capítulo 136


Acordei num quarto semelhante ao mesmo que era o meu na altura da cirurgia. Sentia-me calma e confortável. Tinha duas almofadas brancas onde repousava a cabeça e cheirava-me a lixívia. Não era muito agradável e o meu nariz arrepiou-se. Pisquei algumas vezes os olhos enquanto observava o quarto.
Suspirei.
Mais uma voltinha na montanha-russa do Sr. Thomas...
Esforcei o meu corpo a erguer-se de maneira a que pudesse ficar sentada sem ter dores nas costas. Avistei o botão de chamada junto à cama e pressionei durante um segundo.
Em pouco tempo uma enfermeira que eu não conhecia abriu a porta do quarto após bater duas vezes.
- Boa tarde, miss – cumprimentou ela com um sorriso sincero. O seu cabelo claramente era pintado de um louro escuro.
- Boa tarde.
- Como se está a sentir?
Coloquei uma mancha de cabelo atrás da orelha enquanto falava.
- Bastante normal. O Dr. Peter sabe que estou aqui?
Ela sorriu de novo enquanto verificava alguns dados na máquina do meu lado direito da cama. Estava a soro, algo a que já estava familiarizada.
- Sim, miss, logo que deu entrada o doutor foi logo chamado.
- Hum.
Comecei a pensar em Zayn e nos rapazes. Lembro-me de Marie olhar para mim em choque profundo. Levei a mão ao rosto, procurando indícios de sangue seco. A enfermeira desconhecida reparou.
- Eu limpei-lhe o rosto, miss. Se alguém a visse coberta de sangue nas bochechas acharia que lhe tinham batido.
Dei uma breve gargalhada. Olhei para o relógio de parede, que indicava quase duas da tarde.
- Estive assim tanto tempo adormecida?
A enfermeira olhou para mim com uma expressão intrigante nos seus olhos castanhos. Mas em dois segundos colocou outro sorriso na cara que desapareceu com o olhar estranho.
- O doutor decidiu que talvez fosse melhor dormir durante umas horas. Para prevenir qualquer stress.
Acenei com a cabeça.
Ela afastou-se de mim enquanto fazia mais alguns apontamentos no seu caderno. Antes de voltar a falar, abriu um pouco as cortinas, fazendo entrar mais luz no quarto.
- Que tal comeres qualquer coisa? O soro não tira a fome.
Logo percebi que estava esfomeada. Não comia nada desde de manhã e o almoço tinha ficado sem efeito. Sorri à enfermeira, afirmando com um aceno.
- O meu nome é Julia.
- Eu sou Isabela Ferreira.
Sorri o máximo que pude.
Ela voltou a aproximar-se de mim e num gesto pouco convencional, afagou-me a mão que estava ligada diretamente ao soro. Senti um formigueiro na zona da agulha espetada.
- O que te apetece comer? – Perguntou.
As minhas sobrancelhas uniram-se quando franzi a testa. O meu estômago revoltou-se perante o pensamento de comida.
- Tenho um desejo absurdo pelas pernas de frango do Nando’s.
Trinquei o lábio.
Julia riu em voz alta.
- Por enquanto não consigo arranjar isso, mas talvez daqui a pouco. Posso trazer-te algo da cantina? Não é lá tão apetecível quanto o frango, mas sempre tens a sobremesa.
Ela lançou-me um sorriso de orelha a orelha.
- Mousse de chocolate – confirmou. Aproximou-se um pouco mais, baixando a voz como se alguém nos pudesse ouvir. – Trago-te duas taças, é deliciosa.
Suspirei enquanto lhe retribuía o sorriso.
- Por mim tudo bem!
Despediu-se com algumas palavras e eu fiquei sozinha e em silêncio, à espera. Observei o relógio durante a maior parte do tempo. Estava acordada há quase vinte minutos e ainda não tinha falado com ninguém para além da enfermeira Julia. Queria ver Zayn.
Queria avisar a minha mãe que estava bem. No entanto, suspeitava que ela já estava a par da minha situação, por esta altura. Tinha a certeza que tanto ela como qualquer um dos meus amigos tinha pensado o pior. Eram dramáticos.
A enfermeira voltou antes de eu sequer me dar conta, puxando-me para longe dos meus pensamentos.
- A minha mãe sabe que estou aqui?
Julia trazia uma bandeja cheia de comida. Colocou sobre o meu colo e eu pude ver que trazia o prato principal, uma garrafa de água, um pão, uma banana e as duas tigelas da mousse de chocolate.
- A tua mãe foi avisada e ela já está lá fora com o resto dos teus amigos. – Confirmou.
Assenti e destapei o prato principal. Agarrei no garfo e comecei a desfiar o peixe. Estava quase frio, o que indicava que tinha sido feito há algum tempo. Já passava muito da hora habitual do almoço.
- Eles sabem que estou acordada?
Julia levou a mão à boca.
- Esqueci-me completamente de avisar o doutor. Ser-se despistada dá nisto!
Sorri perante o constrangimento dela. Não era nada de grave e fiz questão de lho dizer.

No entanto, Julia disse que demorava dois minutos e eu deixei-me estar a devorar o meu almoço. Estava definitivamente esfomeada e a comida já me parecia uma delícia. O pão era fresco e sabia-me bem com o molho do peixe. Beberiquei um pouco de água para comer a banana. Depois ataquei a mousse de chocolate e soube-me tão bem quanto me saberiam as pernas de frango do Nando’s.